A paz e os direitos humanos podem ser estudados como um conjunto de valores para determinar se um deles ou qual deles é mais elevado ou desejável. Porém o art. 55 da Carta das Nações Unidas deixa claro que o respeito aos direitos humanos são fundamentais para criar as condições de estabilidade e bem-estar que são necessárias a paz e a relação amistosa entre as nações. Pode-se afirmar que os direitos humanos são condutores da paz.
Este artigo trata sobre a proteção da sociedade africana e garantia de seus direitos humanos em caso de conflitos armados internos e externos, onde a União Africana - UA tem consistentemente colocado ênfase no princípio da paz em disputas ocorridas no continente, porém com pouco envolvimento e interferência nos conflitos africanos.
Para o fortalecimento da paz e garantia dos direitos humanos no continente africano pensou-se na criação de um Conselho de Segurança. As preocupações aumentaram e evoluíram após o genocídio ocorrido em Ruanda, no ano de 1994, onde mais de 500.000 mil tutsis foram brutalmente assassinados pela maioria hutu, em que houve absoluta inadequação das medidas autorizadas pela ONU e pela antiga Organização da Unidade Africana - OUA.
A Conferência dos Chefes de Estado de Governo - CCEG em sua 36ª reunião ordinária, em 12 de julho de 2000, após análise dos 33 países menos desenvolvidos no continente africano chegou à conclusão que os conflitos internos e as mudanças inconstitucionais de governo são um dos motivos que impedem o pleno desenvolvimento e a diminuição da miséria nos países africanos.
O Conselho de Segurança e Paz da União Africana - CSP foi estabelecido por um protocolo da CCEG em julho de 2002, com a ratificação de 44 países dos 53 estados africanos. Outro importante passo implantado na UA a fim de adquirir maior efetividade na garantia dos direitos humanos em caso de conflito foi o Pacto Comum de Defesa e Não-Agressão - PCDNA na UA, criado em janeiro de 2005, mas apenas com a ratificação até o momento de 15 países.
No preâmbulo do Protocolo do Conselho de Segurança e Paz da União Africana afirma que a constituição de tal conselho resulta da preocupação com a persistência de conflitos armados e devido ao fato que nenhum fator interno contribuiu mais para o declínio socioeconômico e do sofrimento da população civil do que o flagelo dos conflitos dentro do continente. Enfatiza ainda que os conflitos forçaram milhões de pessoas, incluindo mulheres e crianças partes mais frágeis nesses conflitos, a viver à deriva como refugiados, privados de qualquer meio de subsistência, dignidade e esperança.
O fato de ainda existirem milhares de minas terrestres resultante desses conflitos é um impedimento ao desenvolvimento social e econômico do continente africano, somente em Angola de 1996 a julho de 2008 mais 308 mil minas foram destruídas e 92 milhões de metros quadrados de terras livres para o cultivo da agricultura e agropecuária, combatendo assim a miséria e a fome.
O desenvolvimento de instituições democráticas fortes, da cultura e o respeito aos direitos humanos, da implementação de programas sociais e educacionais em regiões de pós-conflito, bem como a prevenção de conflitos são condições para a paz duradoura e estabilidade e deve ser observado pelo CSP. A União Africana tem focado e condenado as inconstitucionais mudanças de governo, devido principalmente a golpes militares por meio de conflitos armados, principal causa de miséria no continente como visto, para destituir um governo eleito democraticamente pela vontade do povo.
Com a implantação do CSP há o desejo de estabelecer uma estrutura operacional para a efetiva implementação das decisões tomadas nas áreas de prevenção de conflitos, fazer a paz, por meio de operações de apoio e de intervenção, bem como construção da paz e reconstrução em caso de pós-conflito, conforme previsto no preâmbulo do Protocolo.
O CSP é composto por 15 membros eleitos, sendo 10 membros por 2 anos e 5 membros por 3 anos, a fim de dar continuidade as atividades do Conselho, podendo ser reeleitos ao final do mandato. Deve ser obedecida a igualdade de representação regional, obviamente entre os membros que ratificaram o protocolo.
Os critérios de escolha para ser membro do CSP são bem delimitados, destacando-se a experiência para a contribuição da promoção e manutenção da paz e segurança na África, com a participação em resolução de conflitos, processos de construção da paz em nível regional e continental, respeito aos governos constitucionais, bem como aos direitos humanos, contribuição para um fundo de paz ou criado para esse específico propósito. Tais critérios, porém não podem ser interpretados taxativamente, a fim de não se limitar o poder de escolha da CCEG, pois existem outros critérios intrínsecos não delimitados no protocolo.
Entre os objetivos do CSP estão a antecipação e prevenção de conflitos, sendo responsável pelo processo e construção da paz para resolução de conflitos, a promoção e implementação de construção de paz em pós-conflitos com atividades de reconstrução para consolidação da paz e prevenção de violência, coordenar e harmonizar os esforços no continente para a prevenção e combate no terrorismo internacional em todos os aspectos, desenvolver uma polícia de defesa comum, promover e encorajar práticas democráticas, proteção aos direitos humanos e direitos fundamentais (uma impropriedade do texto devido aos direitos humanos englobarem os direitos fundamentais).
O CSP tem como competência a prevenção e o alerta antecipado em caso de conflitos no continente, sendo somente alcançado com uma vasta rede de especialistas em várias agências de estado, instituições acadêmicas, grupos de monitoramento em direitos humanos, Organizações Não Governamentais – ONG, e a sociedade civil em constante contato na coleta de informações e estreitamento de laços.
O Ato Constitutivo da UA prevê em seu art. 4º, alínea “j”, o direito de um Estado Membro de requerer a intervenção para a UA, a fim de restaurar a paz e a segurança. Tal atribuição compete ao CSP, bem como a reconstrução do processo de paz, com o uso de mediação, conciliação e instrução.
Entende-se por intervenção humanitária o uso da força contra um Estado ou contra um grupo armado, a fim de fazer cessar as violações contra os direitos humanos. O CSP sem a aquiescência de um Estado pode usar da força e prevenir violações aos direitos humanos, sendo somente admitida em situações excepcionais, como genocídios e situações em que a independência e a soberania nacional de um Estado Membro é ameaçada por atos de agressão, inclusive por mercenários ou grupo terroristas.
A Comissão e o CSP possuem várias competências conjuntas, como a autorização de missões de paz e estabelecer suas diretrizes gerais, realizando análises periódicas dessas orientações, a instituição de sanções quando ocorrer uma mudança inconstitucional de governo
em um Estado Membro, aprovar as modalidades de intervenção em um estado e implementar uma polícia de defesa comum na UA.
Um conflito armado recente ocorrido na África foi no Sudão, mais especificamente em Darfur uma província semi-árida na região oeste do país. O conflito chamado pela imprensa internacional de Crise de Darfur iniciou-se em meados de 2003, quando aumentou a tensão entre população de origem árabe, predominante no país, e majoritariamente nômade contra os fazendeiros dos grupos étnicos de Fur, Massaleet e Zagawa.
Dois grupos rebeldes começaram a atacar alvos do governo alegando negligência das autoridades sudanesas na região e a retaliação do governo veio em forma de intensos bombardeios em vilarejos, onde havia também civis, seguidos por ataques das milícias Janjaweed, africanos muçulmanos de origem árabe, com assassinatos, estupros e roubos.
Estima-se que mais de duzentas mil pessoas morreram no conflito direta ou indiretamente em campos de refugiados. O governo sudanês admite a existência de milícias na auto-defesa, mas nega qualquer ligação com o Janjaweed e diz que as acusações são exageradas. Refugiados e observadores externos afirmam que há uma tentativa deliberada de expulsar a população negra africana de Darfur.
A UA, por meio do CSP e da Comissão, vem atuando no conflito desde 2004, a fim de encerrar o conflito, tendo assinado em 2006 um tratado de paz entre o governo sudanês e apenas uma facção rebelde os Minni Minawi, onde apesar do avanço, com a previsão de alteração do texto constitucional para melhor inclusão em garantias e direitos de toda a população, principalmente nos direitos políticos com a conseqüente divisão de poder e o envio de tropas da ONU a violência sectária aumentou desde a assinatura do tratado.
O Pacto Comum de Defesa e Não-Agressão - PCDNA foi adotado pela CCEG em sua 4ª reunião ordinário, ocorrida em Abuja, Nigéria, em 31 de janeiro de 2005, porém com a ratificação de apenas 15 países até o momento, devido, em grande parte, a um processo recente de descolonização e o receio de intervenção externa em assuntos nacionais, pois os direitos fundamentais a auto-determinação e independência ainda são priorizados em relação aos direitos individuais no continente.
A respeito do conceito de soberania sendo como de titularidade do povo e a igualdade soberana entre os Estados, indica que ao menos sob o prisma jurídico, todos possuem os mesmos direitos e deveres perante a ordem jurídica internacional, sob prisma qualitativo e quantitativo.
O aspecto qualitativo da soberania refere-se ao fato do Estado se firmar como poder supremo e independente, como raiz, como fundamento e como essência. E em relação ao seu segundo aspecto, quantitativo, ou seja, a soma dos poderes soberanos, com o quantum de todas as faculdades em que se traduz o poder supremo e independente.
Levando em consideração que a titularidade da soberania é do povo, caso o Estado não cumpra a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos - CADHP, por exemplo, e cometa a prática de genocídio ou terrorismo, justifica-se uma intervenção humanitária no aspecto quantitativo, pois o Estado não está exercendo a sua atribuição como se comprometeu perante a sociedade, assim mesmo nos casos em que determinados poderes inerentes à noção de soberania sofram limitações, não será correto falar em supressão da soberania, devido ao povo continuar ser o seu titular, sendo a atribuição ou competência do Estado limitado para a proteção de seu povo.
Logo, conclui-se que caso um Estado Membro que não tenha assinado e ratificado o PCDNA, mas comprometeu-se em cumprir a CADHP poderá sofrer uma intervenção humanitária, contudo UA tem poucos registros em termos de envolvimento em conflitos na África.
O objetivo maior do PCDNA é promover a cooperação entre os Estados Parte nas áreas de não agressão, defesa comum, convivência pacífica, prevenção de conflitos e a garantia de disputas resolvidas por meios pacíficos.
No âmbito destes objetivos o pacto visa definir um quadro geral do qual a UA pode intervir ou autorizar a intervenção, na prevenção ou resolução de situações de agressão definidas.
No PCDNA elenca-se um exaustivo rol do que seja agressão, sendo o uso intencional e consciente de forças armadas ou qualquer outra hostilidade por um agente estatal ou não, contra a soberania, independência, integridade territorial e segurança da população; a invasão e ocupação, mesmo que temporária, de outros agentes em território de Estado Membro; o bombardeio do território de um Estado Membro; o bloqueio dos portos, costas ou espaço aéreo de um Estado; o ataque a embarcações de um Estado Membro; o uso das forças armadas de um Estado Membro dentro ou Estado, mesmo que em concordância deste, mas em desrespeito ao PCDNA; a ação de Estado Membro para permitir que seu território seja usado por outro agente estatal, a fim de perpetrar um ato de agressão contra um terceiro estado; a disposição ou o apoio a grupos armados, mercenários, grupo de criminosos e outros grupos transnacionais que podem realizar atos hostis contra um Estado Membro; os atos de espionagem que pode ser usado para fins de agressão militares; a assistência tecnológica, a inteligência e a formação para outro Estado, a fim de cometer atos de agressão contra outro Estado Membro; o incentivo, apoio, abrigo ou prestação de assistência para o conhecimento de atos terroristas e outros atos violentos transnacionalmente organizados contra um Estado.
Não apenas atos de agressão podem ser passíveis de intervenção, mas também atos de subversão, sendo qualquer ato que incite, agrave ou crie a dissensão dentro do Estado Membro com a intenção de desestabilizar e derrubar ordem ou regime político existente e fomentar a discriminação racial, religiosa, lingüística, étnica e outras diferenças de modo incompatível com a CADHP.
A ação de grupos terroristas em Estados Parte também é passível de intervenção humanitária, devido ao terrorismo estar quase sempre ligado com o crime organizado transnacional, com graves violações aos direitos humanos, bem como com mudanças inconstitucionais de governo.
A aplicação do princípio da paz é sempre realçado na UA, sendo a intervenção aplicada somente em casos de exceção, pois os Estados Partes comprometem-se resolver quaisquer diferenças por meios pacíficos, a fim de evitar pôr em perigo a paz e a segurança, abstendo-se do uso da força ou ameaça do uso da força em suas relações uns com os outros e de qualquer forma incompatível com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, não justificando a agressão, mesmo em casos políticos, econômicos, militares, religiosos ou raciais.
Os Estados Partes devem comprometer-se a proibir e prevenir o genocídio e outras formas de assassinato e eliminação em massa, bem como os crimes contra a humanidade.
Dentro do princípio de defesa comum deve haver uma mútua assistência entre os Estados Partes, com apoio assistencial, logístico, técnico, de inteligência e força militar inclusive.
Um dos desafios mais importantes gerado pelo PCDNA até o momento é a implantação de uma polícia comum na UA e a implantação de uma força africana de prontidão, que seria a reunião da força militar de vários países africanos para atuar em casos de conflitos armados de grande monta ou impedir a prática de genocídio e assassinatos em massa.
Criou-se mecanismos no PCDNA, a fim de garantir as disposições previstas com o CSP responsável por sua implementação, sendo assistido ou assessorado pela Academia de Paz Africana, pelo Centro Africano de Estudo e Investigação sobre Terrorismo e pela Comissão da União Africana de Direito Internacional.
A Academia de Paz Africana é responsável por realizar pesquisas e trabalhos de base para a promoção da paz e estabilidade na África, como um centro de excelência no desenvolvimento da doutrina da paz africana, além de outras competências atribuídas pela CCEG.
O Centro Africano de Estudo e Investigação sobre Terrorismo é responsável por centralizar, coletar e divulgar informações, estudos e análises sobre o terrorismo e grupo de terroristas, prestar assistência aos Estados Partes, além de fornecer programas de treinamento, assistência em reuniões de parceiros internacionais e simpósios, a fim de prevenir e combater atos de terrorismo no continente africano.
A Comissão da União Africana de Direito Internacional é responsável por estudar todas as questões jurídicas relacionadas com a promoção da paz e segurança na África, incluindo a delimitação de fronteiras no continente africano.
A Corte de Justiça Africana - CJA é o órgão que deve interpretar as normas do PCDNA em caso de disputas entre os Estados Partes, sem prejuízo da competência do CSP.
A UA já em reflexo e amadurecimento aos pactos e convenções estipulados encaminhou à Somália, país em guerra civil desde 1990, um contingente de 40 formadores de polícia com a finalidade de treinar e formar uma polícia local bem treinada e combater os grupos rebeldes.
O agente ou grupo que recorre à violência ou a violência política ataca os alicerces do sistema que busca comandar e desampara a sociedade com a quebra de garantia dos direitos humanos. Já o governo que reagi exageradamente com violência perde a credibilidade em recorrer de poderes emergenciais para a solução do conflito e também desampara a sociedade em suas garantias e direitos fundamentais.
Nesse contexto o ideário de direitos humanos é importante para servir de barreira imperativa tanto ao Estado como aos grupos armados com o pretenso ideal de revolucionário ou de libertação tão comum e corrente na África.