A União Africana – UA constituída em julho de 2000, originada da antiga Organização da Unidade Africana – OUA criada em maio de 1963, tem atuação de destaque na proteção dos direitos humanos, com a elaboração e interpretação de normas para a proteção aos direitos fundamentais, como a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos – CADHP, instituída em 1981, em Banjul Gâmbia e com ampla adesão dos 53 Estados africanos, a constituição da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e a Corte de Justiça Africana - CJA. Porém, devido, em grande parte, a fragilidades da proteção dos direitos humanos no âmbito interno dos Estados o sistema africano de proteção dos direitos humanos ainda é incipiente.
A CADHP denota características próprias e peculiares que a diferencia dos demais instrumentos de proteção dos direitos humanos, pois quatro aspectos do seu preâmbulo merecem destaque, sendo o primeiro a atenção conferida às tradições históricas e aos valores culturais, o processo de libertação da África, a luta por independência e dignidade dos povos africanos, o combate ao colonialismo e neocolonialismo e a erradicação do apartheid, do sionismo e de todas as formas de discriminação.
Relacionada a esse primeiro aspecto encontramos a expressão utilizada pela União Africana - UA os “direitos dos povos”, onde estes devem garantir a aplicação dos direitos humanos, adotando assim uma perspectiva coletivista em que transita o indivíduo.
O terceiro aspecto, presente no preâmbulo, é a previsão de não apenas direitos fundamentais, civis e políticos, mas também de direitos econômicos, sociais e culturais, in verbis:
Relacionada a esse primeiro aspecto encontramos a expressão utilizada pela União Africana - UA os “direitos dos povos”, onde estes devem garantir a aplicação dos direitos humanos, adotando assim uma perspectiva coletivista em que transita o indivíduo.
O terceiro aspecto, presente no preâmbulo, é a previsão de não apenas direitos fundamentais, civis e políticos, mas também de direitos econômicos, sociais e culturais, in verbis:
...os direitos civis e políticos são indissociáveis dos direitos econômicos, sociais e culturais, tanto na sua concepção como na sua universalidade, e que a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais garante o gozo dos direitos civis e políticos.
Enfim, o quarto aspecto ou característica a ser destacada refere-se à obrigação de deveres, na medida em que o preâmbulo da Carta afirma que “o gozo dos direitos e liberdades implica o cumprimento dos deveres de cada um”.
A CADHP é estruturada com a instituição dos direitos e deveres (sendo estes políticos, civis, econômicos sociais e culturais) as medidas de salvaguarda dos direitos (com a instituição da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos) e as disposições diversas (incluindo adesão, ratificação, processo de emenda e revisão da Carta).
A CADHP, como as Convenções Européia e Americana, institui a obrigação de cada Estado parte de proteger os direitos enunciados na carta, previsto em seu art. 1º, adotando as medidas necessárias para esse fim, aderindo assim a característica da efetividade dos direitos humanos.
O princípio da igualdade está consagrado no art. 2º, operando tão logo a obrigatoriedade aos Estados partes para quando na edição de leis e atos normativos eliminarem qualquer forma de discriminação e tratamento diferenciado a pessoas que se encontram em situações idênticas.
Os demais artigos garantem o direito à vida, a integridade física e moral, a proibição da escravidão, da tortura, e do tráfico de pessoas; o direito a proteção judicial; as liberdades consciências, religião e profissão; o direito à informação; a liberdade de associação; o direito a reunião; a liberdade de locomoção; direitos de participação política; o direito de propriedade, direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais e trabalhistas, incluindo o direito ao trabalho sob condições justas e equitativas; o direito à saúde; o direito à educação; o direito de participar da vida cultural; à proteção da família como guardiã moral da sociedade; ao desenvolvimento econômico, social e cultural; a paz e segurança; e a um meio ambiente satisfatório.
Porém, no que se refere a direitos políticos e civis, a carta apresenta determinados dispositivos com alcance limitado:
Por exemplo, não explícita referência na carta ao direito à privacidade; o direito de não ser submetido a trabalho forçado não é expressamente previsto; o direito ao julgamento justo e o direito de participação política recebem proteção aquém dos parâmetros internacionais. Entretanto, a comissão, mediante suas resoluções, tem interpretado a Carta de modo a abranger direitos ou aspectos de direitos não explicitamente incluídos na Carta.
Apesar das críticas, é claro que a Carta Africana é o primeiro instrumento normativo do Sistema de Direitos Humanos na África; na língua e organização, a carta deve muito aos primeiros documentos internacionais em direitos humanos, notadamente a Declaração Universal de Direitos Humanos e as duas convenções em Direito Civil , Político, Econômico e Cultural. Mas também incorpora características, valores, normas e poder de processo de gerenciamento que são bem fundamentadas nas organizações africanas, como também refletem as orientações político e econômicas para os Estados africanos.
A CADHP, ao constituir o sistema normativo de proteção aos direitos humanos, realiza a implementação da expansão para todas as nações, independentemente da área continental que ocupa ou da cultura, da garantia de normas fundamentais a pessoa humana com a finalidade de sua promoção e efetiva tutela pelo Estado e pela Comunidade Internacional. O caminho a ser perseguido ainda é longo, pois apesar de garantir direitos de primeira e segunda geração a sua efetivação é restrita devido, em grande parte, as peculiaridades locais e dificuldades financeiras dos países que a integram.
A União Africana – UA em preocupação com a aplicação dos direitos humanos criou a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, a fim de promover e assegurar os direitos previstos na CADHP, mas especificamente sobre os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
Apesar da assinatura da CADHP ter ocorrido em 1981, a Comissão apenas entrou em exercício em 1987, tendo como sede a Gâmbia. Sua composição é de 11 membros que devem ser escolhidos dentre pessoas da mais alta integralidade, moralidade e imparcialidade, que tenham reconhecida competência em matéria de direitos humanos e dos povos.
Em conformidade com o art. 31 da CADHP, os membros da Comissão devem exercer suas funções a título pessoal, atuando com independência e não em defesa das prerrogativas do Estado de origem. Defini-se, ainda, que os membros são eleitos por escrutínio secreto pela Conferência dos Chefes de Estado de Governo - CCEG, a partir de uma lista de pessoas apresentadas pelos Estados partes, para um mandato de 6 (seis) anos, renovável por igual período.
A Comissão tem por missão: promover os direitos humanos (ao reunir documentos, fazer estudos e pesquisas sobre problemas africanos no domínio dos direitos humanos, dar pareceres ou fazer recomendações aos governos, formular princípios e regras em direitos humanos, bem como resolver problemas técnicos, a fim de permitir o gozo dos direitos fundamentais, cooperar com outras instituições), assegurar a proteção da CADHP, interpretar qualquer dispositivo da CADHP e executar quaisquer outras tarefas confiadas pela CCEG.
Uma das formas de garantia da dignidade humana é efetivar a participação popular no processo de investigação e denúncias em face de crimes cometidos contra os direitos humanos e nos termos dos artigos 55 a 59, da CADHP, a Comissão é competente para analisar as petições com tais temas.
Existem 7 (sete) requisitos de admissibilidade para que a petição não seja considerada deserta e o processo possa levar a um provimento final de mérito, são eles: identificação (legitimidade das partes), compatibilidade com a CADHP (possibilidade jurídica do pedido), não conter termos ofensivos ao Estado impugnado, fundamentação, não se limitando exclusivamente a reunir notícias difundidas pelos meios de comunicação de massa, ser posteriores aos recursos internos (exceto no caso de mora injustificada), tempestividade razoável após esgotados os recursos internos, e da inexistência de litispendência na UA.
Ressalta-se ser ainda competência da Comissão para apreciar relatórios a serem enviados pelos Estados partes, a cada 2 (dois) anos, acerca das medidas legislativas e outras adotadas no intuito de efetivar os direitos garantidos na CADHP.
A Comissão, por meio de suas competências, é potencialmente poderosa, porém não é ainda uma força continental em direitos humanos. Seu trabalho não é amplamente conhecido, os Estados partes desconsideram suas resoluções com habitualidade, além de não elaborarem os relatórios periódicos. Aliado a esses fatores culturas tradicionais africanas não vêem o indivíduo como autônomo e de posse de direitos acima, muitas vezes, da própria sociedade, como é o caso dos direitos humanos em proteção a religião e liberdade de expressão do indivíduo.
Um desafio de grande monta presente na Comissão Africana dos Direitos Humanos é a circuncisão feminina praticada em mais de 30 países africanos, devido à simples crença que a retirada do clitóris diminui o prazer sexual da mulher, mantendo-a fiel ao casamento, aumenta a sua fertilidade e evita doenças. Porém a realidade é bem diferente ocasionando, apenas a título de exemplo, citam-se alguns efeitos danosos como; hemorragia interna, infecções (incluindo tétano o que é fatal), infertilidade, choques e freqüentes infecções urinárias. A Organização das Nações Unidas – ONU, mediante 10 (dez) de suas agências comprometeu-se a ajudar os governos africanos a abolir essa prática, caso de saúde pública em muitos países, e assim cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM no que diz respeito à igualdade de gênero.
A Comissão estimulada por ONG’s passou a defender então, a criação de uma Corte Africana de Justiça e Direitos Humanos - CJA, a fim de fortalecer a proteção dos direitos humanos, conferindo maior eficácia à atuação da Comissão.
Dentro da percepção que os litígios envolvendo os Estados Africanos deveriam ser solucionados por mediação e conciliação na criação da CADHP, não se pensou na criação de uma Corte, visto como uma ameaça à soberania dos novos Estados independentes. Logo, somente em 1998, em Addis Abeba , na Etiópia, foi criado o Protocolo para efetivação da CJA, com a assinatura de 50 países e com sua entrada em vigor com o 15º instrumento de ratificação em janeiro de 2004, conforme prevê o seu art. 34. Para fins de registro, até março de 2010, somente 25 países africanos ratificaram o Protocolo para efetivação da CJA.
A criação da CJA veio no intuito de dar mais formalidade, força e legalismo à União Africana, necessidade sentida pelos países africanos para sua criação como órgão jurisdicional supranacional a fim de aprimorar e fortalecer os mecanismos de proteção, uma vez que a Comissão estava sendo vista apenas como órgão promovedor dos direitos humanos, atuando como mediador e reconciliador de conflitos.
A CJA será composta por 11 (onze) juízes escolhidos dentre os Estados partes, não se aceita que dois juízes sejam do mesmo Estado, e determina que haja pelo menos dois juízes de cada região. O juiz deve atuar com independência e imparcialidade, eleitos entre pessoas de alta moral e caráter, possua a necessária qualificação requerida no seu respectivo país para nomeação aos mais altos cargos judiciais ou de competência reconhecida em direito internacional.
A CCEG escolhe por votos de dois terços dos seus membros os juízes presentes em uma lista elaborada pelo presidente da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos em ordem alfabética, conforme indicação dos Estados partes. Uma condição discutível, porém válida, estabelecida no art. 7º do Protocolo da Corte Africana de Justiça e Direitos Humanos, é que a CCEG deve assegurar a igualdade de gênero na representação da CJA.
O mandato dos juízes são de 6 (seis) anos, renovável por mais um período, devendo trabalhar por tempo parcial, exceto o presidente da CJA que trabalha em regime integral e residir, conseqüentemente, na sede do tribunal. O presidente e o vice-presidente são eleitos pela CAJ para um mandato de 3 (três) anos renovável por mais 3 (três) anos. Os juízes da CAJ gozam de independência, privilégios, imunidades e remuneração.
Pode-se dizer que a competência da CJA é dividida em consultiva e contenciosa, além da tradicional competência de complementar o mandato da Comissão.
No que se refere à competência contenciosa a CJA poderá apreciar casos dos Estados Partes, dos órgãos da UA, desde que autorizados pela CCEG, a Comissão ou um membro desta, terceiros interessados sob as condições da CCEG e consentimento do respectivo Estado parte. Esta última parte impede em grande monta que o acesso à CAJ seja universal, uma vez que o consentimento do Estado prejudicado ou que prejudica a população nos seus direitos sempre ou quase sempre será negativo em caso de questionamento a seus atos, aliado ao fato que a jurisdição da CJA somente se aplica aos países que ratificaram o Protocolo, como apenas 25 países o fizeram, restam de fora da jurisdição da CJA a maioria dos países africanos, ou seja, 28 países.
No que se refere à competência contenciosa a CJA poderá apreciar casos dos Estados Partes, dos órgãos da UA, desde que autorizados pela CCEG, a Comissão ou um membro desta, terceiros interessados sob as condições da CCEG e consentimento do respectivo Estado parte. Esta última parte impede em grande monta que o acesso à CAJ seja universal, uma vez que o consentimento do Estado prejudicado ou que prejudica a população nos seus direitos sempre ou quase sempre será negativo em caso de questionamento a seus atos, aliado ao fato que a jurisdição da CJA somente se aplica aos países que ratificaram o Protocolo, como apenas 25 países o fizeram, restam de fora da jurisdição da CJA a maioria dos países africanos, ou seja, 28 países.
A competência consultiva refere-se à interpretação e aplicação de todas as normas legais dentro da UA, normas de direito internacional, acordos entre Estados partes, a existência de um fato que pode gerar obrigação a um Estado, bem como a natureza e extensão da quebra de obrigação gerada por este.
Hodiernamente, somente os Estados e as ONG’s atuam no processo de investigação, quando a participação individualizada é também fundamental, à medida que quanto maior for o grau de capilaridade do sistema de proteção, maior impacto terá as decisões da Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
Dentro da teoria que os direitos humanos encontram-se inseridos em fundamentos históricos, uma cultura de direitos humanos é de extrema importância para que os direitos e garantias assegurados pela CADHP sejam exercidos no continente africano, sendo este somente alcançado com o compromisso da sociedade em denunciar e exigir a concretização dos propósitos presentes na CADHP, bem como do Estado atuar com vontade política na divulgação da Carta que ratificou.
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